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A inefetividade das cotas raciais a partir da PEC da Anistia

Carlos Machado*

 




 

As eleições de 2024 são exemplares sobre como o Brasil, e em particular as instituições políticas brasileiras, lidam com os dilemas das desigualdades raciais, tratando-as com displicência. Após anos sem ação pública concreta para lidar com as disparidades raciais na política, em 2020 o TSE, referendado pelo STF, concorda com pleito feito pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e institui um valor mínimo de uso dos recursos públicos disponibilizados para partidos políticos a serem destinados a candidaturas negras.


Partidos deveriam investir em candidaturas negras a mesma proporção que estas estivessem presentes em suas listas. Nas eleições de 2020, um total de 20 partidos deixou de cumprir essa norma, algo também observado em 2022. Não por acaso os partidos políticos buscaram uma anistia a si mesmos através da PEC 9/2023, uma prática comum do parlamento, principalmente em relação às cotas de gênero, anteriores às raciais.


A partir de então, partidos deveriam atribuir 30% dos recursos públicos para candidaturas negras. Isso levou a Rede Sustentabilidade a acionar o Ministério Público, de tal forma que o questionamento foi endossado pela PGR e encaminhado para o STF. Relator desta Adin, o ministro Cristiano Zanin negou a provisão à demanda, afirmando que a PEC teria sido a primeira ação afirmativa racial da legislação brasileira. Se por um lado essa medida aparenta algo positivo, ela retrata o pouco caso com a questão e a falta de contato com a realidade política atual.


As eleições municipais têm por característica serem mais permeáveis a candidaturas e à eleição de pessoas negras quando comparadas aos demais níveis. Se tomarmos o critério de 30% do financiamento, praticamente todos os partidos já teriam cumprido o valor em 2020, apenas NOVO, PCO, PDT e PRTB não teriam alcançado o valor mínimo estipulado em 2023. Ou seja, a nova PEC desconsidera até mesmo os valores já praticados pelos partidos políticos para candidaturas negras, tendo em vista que em 2020 a média desse gasto era de 45%.

 


 

Nota: os valores foram arredondados.

Fonte: prestação de contas de partidos disponível no repositório de dados abertos do TSE até 22/9.

 

Portanto, o questionamento feito pela Procuradoria Geral da União ao STF tem lastro com a realidade. A forma como foi definido esse valor mínimo de investimento partidário não serviria para a redução das desigualdades raciais. Até o momento, pelas prestações de contas disponíveis no site do TSE, entre os partidos que já possuem dados mais robustos divulgados, apenas NOVO e PL não cumprem o piso de 30%. Caso fosse aplicada a regra anterior, no momento oito partidos estariam em desacordo com ela, ao mesmo tempo o PL atenderia aos critérios passados.


Fonte: prestação de contas de partidos disponível no repositório de dados abertos do TSE até 22/9.

 

Isso não implica, contudo, que estariam sanadas as desigualdades raciais na política. A forma como esses recursos são distribuídos e utilizados ainda é central para compreender como, apesar de ser possível identificar acesso a recursos de campanha, candidaturas negras, em particular de mulheres negras, possuem tantas dificuldades para a entrada na política. Não basta observar essas informações agregadamente, é necessário um olhar individualizado para as candidaturas disponíveis, e sob quais condições elas tiveram para a utilização de recursos em suas campanhas.


Esse cenário deixa escancarado como o debate público ainda desconsidera evidências da realidade para embasar suas decisões. Ou que essas evidências sejam notoriamente utilizadas para tornar irrelevantes medidas de inclusão política.

 

Fonte: prestação de contas de partidos disponível no repositório de dados abertos do TSE até 22/9.

 

(Crédito de imagem: Mario Agra/Câmara dos Deputados)


*Carlos Machado é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). Este artigo foi publicado originalmente por O Globo.

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