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Transferência de voto em tempos de polarização

Ricardo Barbosa de Lima*



A discussão sobre a polarização entre forças de centro-esquerda e de extrema direita, rotuladas de polo lulista e bolsonarista, está de volta nestas eleições municipais. Contudo, há, no mínimo, muita especulação eleitoral e pouca leitura atenta dos dados que são produzidos.


Apresento alguns achados de pesquisas eleitorais quantitativas e qualitativas realizadas em duas cidades do Estado de Goiás: Anápolis, uma das cidades mais conservadoras do Estado, e Goiânia, uma das mais progressistas. O objetivo é mostrar que as discussões sobre a capacidade ou limites de cada um desses polos de transferir votos não encontra guarida nos resultados mais amplos desses levantamentos.


Em Anápolis, pesquisas apontam que quase 50% de seus eleitores podem votar ou votariam com certeza em um candidato indicado pelo ex-presidente Bolsonaro. E, por outro lado, mais de 70% jamais votariam em candidato indicado pelo presidente Lula. Como explicar, diante desses achados que, em Anápolis, o candidato lulista tem percentuais sempre acima dos 40% (Antônio Gomide) e o candidato bolsonarista (Marcio Correia) não supera os 30% de intenção de voto?


Em Goiânia, uma pesquisa aponta que somente 15% dos eleitores votariam em um candidato apoiado por Lula mesmo sem o conhecer, enquanto 29% votariam em um candidato apoiado por Bolsonaro mesmo sem o conhecer. Como explicar, diante desses achados que, em Goiânia, o candidato bolsonarista tem percentuais abaixo de 10% (Fred Rodrigues) e a candidata do campo petista (Adriana Accorsi) está acima de 20% das intenções de voto?


Gomide e Adriana não são vistos como candidatos lulistas? Fred Rodrigues e Marcio Correia não teriam se esforçado em se apresentar como bolsonaristas? Nada disso. Esses dados comparados mostram que não existe um poder natural de atração e de repulsão de cada personalidade que se transforma, necessariamente, em votos ou em rejeição para seus apoiados.


O que dizer desses números, ora acima ora abaixo, do que se poderia esperar de seus principais cabos eleitorais? No mínimo, que as leituras apressadas da biruta da opinião pública falham no intento de cravar os limites superiores e inferiores da capacidade de transferência de voto desses polos, em função da fé no poder atrativo ou repulsivo mencionado.


Diferentes caminhos para encontrar uma medida


Aqui apresento uma hipótese vinda das pesquisas qualitativas que acompanho ao longo deste ano em diferentes cidades brasileiras: indicadores de aceitação/rejeição ou de aprovação/desaprovação acabam, muitas vezes, carregando um problema que não está na ordem do dia do eleitor diante do pleito municipal. É fato que o tipo mais aderente ao apelo de seu líder certamente tem no simbólico um fator decisivo para o voto. Assim se pode dizer que esse eleitor se posiciona sempre a priori a partir de um alerta de seu líder. Por isso os fantasmas, o que não pode acontecer e os medos (as mamadeiras, os banheiros neutros, o criacionismo, a anticiência etc.) são os principais dispositivos que os movem. Pare esse tipo de eleitor, o real (o local, as condições pessoais, os problemas comuns, o bairro, a cidade) é, quando muito, um fator secundário no cálculo do processo de escolha. Um dado pinçado e separado de seu contexto para ratificar o perigo revelado pelo líder.


Para o eleitorado não posicionado, o simbólico não funciona sozinho. Esse eleitor elabora os fatores de decisão do voto de forma bem diferente. Para ele, o simbólico, para funcionar, tem de vir submetido ao real e não o contrário.  Apoios contam. Mas esses eleitores os colocam em outro lugar. Apoios são tomados como uma pista sobre a capacidade de cada candidato concretizar o que promete.


Para o primeiro tipo de eleitor, o apoio é importante para se ter a certeza que um temor (um valor, um pecado, uma imoralidade) não se materialize. Para o segundo tipo, o apoio importa para saber se há condições reais para que algo se materialize: um serviço, uma obra, uma oportunidade de trabalho.


Enfim, para ampla faixa do eleitorado, estar isolado (sozinho/sem lado/terceira via/voo solo) pode ser um problema maior que ter um apoio que não seja próximo ao seu universo de valores morais e/ou religiosos. O fio da navalha vai se estreitando, pois o que importa não é ser fortemente apoiado pelo governador ou pelo presidente. Para esse eleitor, interessa como o candidato demostra que irá usar esse canal aberto com governador ou com o presidente para cumprir o que promete. E não o contrário.


Para tanto, a habilidade política parece como desejada. Que o candidato ideal deveria ter força e/ou habilidade para não cair nas armadilhas do mundo da política.  Idealizam um candidato capaz de conduzir a política e não ser aprisionado por armadilhas que ele pode conter: dos pedidos dos vereadores, dos empresários ou dos secretários. Esse é o tal gestor ideal que tanto se pede nessas eleições municipais.


Dosar a presença dos apoios é realmente um desafio que se impõe ao marketing político. O piso das intenções de voto pode ser dado pelos eleitores posicionados a priori, mas o teto deve ser construído pelas estratégias da política e da comunicação. E isso tem que ser feito, muitas vezes, “apesar” dos apoios e dos(as) próprios(as) candidatos(as).


*Ricardo Barbosa de Lima é sociólogo e é membro do DataUFG (Universidade Federal de Goiás). Este artigo foi publicado originalmente pelo site da Carta Capital.

 

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