Carlos Ranulfo Melo*
Nos últimos anos, o crescimento dos partidos de direita tem chamado a atenção de quem acompanha a política brasileira. O ponto de inflexão encontra-se, sem margem para dúvidas, na eleição de Bolsonaro em 2018 e nas transformações pelas quais passou o sistema partidário nacional, com destaque para a perda de espaço dos partidos situados ao centro e para a crise do PSDB.
O crescimento de uma multifacetada direita – englobando desde partidos que pretendem se posicionar de maneira mais cêntrica, como o PSD, até aqueles que servem de abrigo a posições extremistas, como o PL – pode ser notado em todas as esferas de poder no país.
No Congresso Nacional, a direita controla mais de 60% das cadeiras nas duas casas legislativas, o que não acontecia desde a eleição de 1982. Em 2018 e 2022, elegeu 12 e 13 governadores, respectivamente, em agudo contraste com o fraco desempenho nas demais eleições deste século, quando oscilou entre 2 e 5 eleitos. Por fim, em um cálculo que considera apenas os maiores partidos – que tenham conquistado pelo menos 100 prefeituras em todo o país a cada eleição –, a direita passou de 39%, em 2016, para 56% dos prefeitos eleitos, em 2020.
Neste artigo, exploro o quadro nas capitais. O gráfico a seguir permite iniciar a discussão apresentando o desempenho dos partidos de esquerda (PSOL, PCdoB, PT, PSB, PDT e Rede), de centro (MDB, PSDB, Cidadania, PV, PMN e Avante) e direita (PSD, PDS/PP, Republicanos, PL, PFL/DEM/PSL/União, PTB, Podemos, PHS, PTC e PDC) nas eleições para as capitais entre 1985 e 2020.
Fonte: TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O gráfico revela um cenário competitivo, no qual o desempenho dos diferentes campos apresenta oscilações expressivas. Os partidos de esquerda crescem até 2004, quando foram 15 as vitórias. A partir daí o desempenho cai, em que pese o repique em 2012, até chegar a apenas cinco capitais em 2020. A curva segue a trajetória do PT, que em 2004 elegera 9 dos 27 prefeitos e em 2020 não conquistou nenhuma das capitais.
Os partidos de centro apresentam uma trajetória mais regular, se descontadas as duas primeiras eleições, que transcorrem sob o impacto do sucesso do então PMDB na transição democrática (1985) e do fracasso do governo Sarney (1988). Desde então, MDB e PSDB possuem desempenho semelhante – a baixa performance do MDB (apenas duas prefeituras) explica a queda em 2012, ao passo que o PSDB, com 7 vitórias, é o principal responsável pelo pico de 2016.
Os partidos de direita alternam bons e maus desempenhos nas eleições do século passado, têm seu pior momento em 2004, e depois dão início a uma recuperação, lenta a princípio, mas acentuada na passagem de 2016 para 2020.
O que mais interessa neste momento é saber se esse crescimento da direita irá se manter em 2024. Os indícios disponíveis indicam que essa possibilidade existe. Para explorar a questão serão utilizadas as pesquisas realizadas pela Quaest divulgadas entre os dias 9 e 17 deste mês. O gráfico a seguir resume o quadro, mostrando os partidos com chances de vitória nas diversas capitais. Para cada partido listado na coluna, os dados distinguem entre situações nas quais é certa, ou quase, a vitória já no primeiro turno e aquelas onde existe a possibilidade de estar no segundo.
Indiscutivelmente a situação é muito favorável à direita, com União, PSD e PL comandando o bloco. O primeiro se destaca com vitórias praticamente asseguradas em Salvador e Porto Velho e poderá ter até 9 participações no segundo turno. O PSD deve vencer no primeiro turno no Rio de Janeiro e em São Luís, e tem chance de estar em mais 4 disputas no segundo. O PL deve vencer em Maceió e poderá se manter na disputa em outras 7 capitais.
Ao centro, o MDB deve vencer no primeiro turno em duas capitais politicamente menos expressivas – Macapá e Boa Vista – e chegará ao segundo turno como favorito, segundo projeções nas pesquisas, em São Paulo e em Porto Alegre, além de disputar em Belém e Rio Branco. Já o PSDB deverá estar no segundo turno em Campo Grande, com uma vice do PL, diga-se de passagem, e tem chances, ainda que bem menores, de se manter na disputa em Florianópolis.
Entre os partidos de esquerda, apenas o PSB tem uma vitória praticamente assegurada, no Recife. O partido tem ainda alguma chance de chegar ao segundo turno em Curitiba. Já o PT poderá estar no segundo turno em até seis capitais. Nos casos de Goiânia, Fortaleza e Teresina, o partido disputa a liderança, e em Porto Alegre mantem-se em segundo lugar. Em Natal e Cuiabá, as chances de o partido sobreviver ao primeiro turno são menores. Em São Paulo, são boas as chances de que o PSOL vá enfrentar uma disputa muito difícil no segundo turno. O partido tem ainda chances, muito reduzidas, em Belém e Florianópolis. O PDT, por outro lado, enfrenta dificuldades para manter a prefeitura de Fortaleza e corre o risco de ficar fora do segundo turno. A situação é ainda pior em Aracaju.
Ao que tudo indica, são grandes as chances de que os partidos de direita superem o desempenho de 2020. Em 7 capitais – Salvador e Porto Velho (União), São Luís e Rio de Janeiro (PSD), Maceió (PL), Vitória (Republicanos) e João Pessoa (PP) –, a eleição deverá se resolver no primeiro turno, havendo alguma margem para dúvida apenas nas duas últimas. Em Palmas, Curitiba, Florianópolis, Aracaju e Natal, um partido de direita lidera a disputa e encontra-se a pelo menos 20 pontos de distância de adversários de centro ou esquerda. Em Rio Branco, Campo Grande e Cuiabá, partidos de direita lideram as pesquisas de intenção de voto, apesar de estarem a distâncias menores relativamente a seus competidores. Em Belo Horizonte, os três primeiros colocados nas pesquisas pertencem ao Republicanos, PSD ou PL. Em Teresina e Goiânia, o União divide a liderança, em empate técnico, com o PT. Em Fortaleza, PL e União disputam com PT e PDT a presença no segundo turno, enquanto em Belém o PL deverá enfrentar o MDB.
Feitas as contas, em apenas 5 capitais (Porto Alegre, Boa Vista, Recife, Macapá e Manaus) partidos de direita não encabeçam chapas com chances de vitória nas prefeituras. Não obstante, nas duas primeiras os candidatos do MDB, à frente nas pesquisas, tiveram seus vices indicados por Bolsonaro. Em São Paulo, a presença de Marçal (PRTB) no segundo turno torna-se cada vez menos provável, mas, de toda forma, a direita lá estará representada pelo vice de Nunes (MDB), também apadrinhado pelo ex-Presidente da República. Finalmente, é possível ponderar que existem diferenciações no interior da direita. No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) é apoiado pelo PT, e, em Belo Horizonte, o atual prefeito e segundo colocado nas pesquisas, Fuad Noman, também do PSD, faz questão de enfatizar sua boa relação com o governo Lula. O contraponto vem de Curitiba e Florianópolis, onde as chapas do PSD têm o PL na vice.
A se confirmarem os indícios aqui elencados, pela primeira vez desde 1985 os partidos de direita terão conquistado a maioria das prefeituras nas capitais. Se assim for, mais uma peça será acrescentada ao cenário mais amplo de um sistema político-partidário desbalanceado, adernando à direita e com setores truculentos e reacionários dotados de expressiva influência. E basta uma rápida olhadela para a atuação do Congresso para saber que a notícia não é boa. A facilidade com que se negou aos povos indígenas seu mais básico direito na aprovação do marco temporal, a rapidez com que a Câmara aprovou a urgência de um projeto que sequer percebia que a pena de um estuprador seria menor do que a de uma mulher violentada que decidisse pelo aborto, ou ainda a desfaçatez da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em priorizar a discussão de um projeto de anistia aos golpistas de 8 de janeiro mostram até onde o país pode retroceder.
Partidos de esquerda, centro esquerda e setores progressistas dos partidos de centro deveriam prestar mais atenção ao que está acontecendo e buscar coordenar suas ações. Um bom começo seriam conversas em torno de um programa comum em defesa da democracia e dos avanços civilizatórios inscritos na Constituição de 1988. Tais conversas poderiam facilitar acordos mais amplos para as próximas eleições, evitando a dispersão de forças em um cenário claramente desfavorável.
(Crédito da imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil)
*Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política e professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG. Este artigo foi publicado originalmente na revista Carta Capital.
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