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O abismo entre eleitoras e eleitores no apoio a Marçal em São Paulo

  • andressarovani
  • 4 de out. de 2024
  • 5 min de leitura


Virilidade, submissão feminina, defesa de um modelo de família de séculos passados. Ao injetar testosterona em sua campanha e defender valores em franca decomposição, Marçal (PRTB) conseguiu se tornar em um mês o candidato preferido entre os homens, ainda que em empate técnico, e o mais rejeitado entre as mulheres na disputa pela Prefeitura de São Paulo.


Durante debate entre candidatos no início desta semana, o ex-coach fez questão de dobrar a aposta de sua estratégia abertamente misógina ao provocar uma das candidatadas e afirmar que, se mulher votasse em mulher, ela ganharia no 1º turno. “A mulher não vota em mulher, mulher é inteligente.” Mulher pode não votar em mulher – apesar de as pesquisas indicarem que Tábata Amaral (PSB) tem uma taxa de intenção de voto muito maior entre elas – mas também não vota em Marçal, é preciso lembrá-lo. Feitas as contas, os dois candidatos estão, desde o início da campanha eleitoral, empatados tecnicamente entre as eleitoras.


Mais do que isso. Marçal é o primeiro candidato em 20 anos que conseguiu criar um fosso na intenção de voto entre eleitoras e eleitores na maior cidade do país. Essa divergência é de 11 pontos percentuais, segundo pesquisa Datafolha divulgada no fim de setembro. Se o “efeito cadeirada”, especulado após uma cena de agressão durante outro debate, não pôde ser visto a olho nu nas intenções gerais de voto, parece haver algo aqui: a ampliação da diferença entre os votos feminino e masculino após o evento, ainda que numérica, chegou a 16 pontos percentuais e sugere que o episódio pode ter sido recebido de modo distinto entre homens e mulheres (únicos gêneros trabalhados pela pesquisa). Entre as eleitoras da capital paulista, a intenção de votar em Marçal oscilou negativamente naquela semana, passando de 13% para 12%. Já entre os homens, essa oscilação foi positiva, de 26% para 28% das intenções de voto em meados de setembro.   


Agora, entre os homens, Marçal segue liderando numericamente a trinca de candidatos que se reveza no top 3, com 27% (contra 21% nas intenções gerais de voto); entre as mulheres, essa taxa oscilou no limite da margem de erro, para 16%, registrando esse abismo de 11 pontos. Essa diferença, em patamar inédito, atingiu nesta campanha a maior dimensão já vista ao longo de duas décadas entre candidatos com chances real de chegar ao segundo turno na cidade.




Intenção de voto à Prefeitura de São Paulo em 2024, por sexo

 

Marçal

Nunes

Boulos

Masculino

27%

27%

24%

Feminino

16%

26%

27%

Total

21%

27%

25%

Diferença

11 pontos

1 ponto

3 pontos

Fonte: pesquisa Datafolha de 19/09/2024.

 

Considerando as pesquisas de intenção de voto para prefeito de São Paulo feitas pelo Datafolha ao longo dos últimos 20 anos, Marçal é o candidato que provocou, até este momento, a maior discordância eleitoral entre homens e mulheres na capital paulista desde 2004, ao menos, considerando-se os candidatos com chances de chegar ao segundo turno. É também a primeira vez desde 2004 que essa divergência está fora da margem de erro.


Na disputa anterior, em 2020, Covas (PSDB) era o candidato preferido das mulheres, e a diferença para o eleitorado masculino era de 4,4 pontos percentuais. Russomano (Republicanos), que era então o primeiro colocado na corrida eleitoral, registrava diferença de 0,2. Em 2016, Russomano  também liderava a disputa sem divergências, mas, para seu opositor no segundo turno, as mulheres preferiam Marta (PMDB), e os homens, Doria (PSDB), candidato que concentrava uma diferença de 6,9 pontos percentuais entre o voto masculino (19,6%) e o feminino (13,7%). Naquele ano, Marta, que até então tinha índices de intenção de voto muito semelhantes entre os gêneros, inclusive em 2008 e 2004, viu parcela de seu eleitorado masculino migrar em 2016 para Doria.


Quatro anos antes, em 2012, as preferências eleitorais de homens e mulheres eram muito semelhantes: tanto Serra (PSDB) como Haddad (PT), empatados tecnicamente em segundo lugar, tinham 0,6 ponto percentual de divergências entre eleitoras e eleitores, com Russomano na liderança e taxas idênticas de intenção de voto por gênero. Em 2008, então no DEM, Kassab registrava diferença de 3,7 pontos. E, se em 2004 homens e mulheres estavam alinhados em relação à candidatura do PT, a de Serra não era consenso, com diferença de 3,5 pontos. Esses dados levaram em consideração os candidatos mais bem colocados nas disputas em momentos semelhantes da corrida eleitoral. Todas elas, até o atual pleito, tinham as divergências flutuando dentro das margens de erro da pesquisa.

 

Fonte: Pesquisas Datafolha disponíveis no Cesop/Unicamp para os meses de setembro (2004-2020); pesquisa Datafolha divulgada em 26/09/2024.

 

Avaliando um recorte no cenário simulado pelo Datafolha para segundo turno entre Boulos (PSOL) e Marçal divulgado em meados de setembro, a distância entre os sexos é consideravelmente amplificada: 56% das mulheres pretendem votar no psolista, enquanto 29% delas votariam no ex-coach. Já entre os homens essa distinção é mínima, 44% contra 43%, respectivamente.


Essa discrepância reflete na urna a disputa pela paridade de direitos entre homens e mulheres na sociedade brasileira. Ao adotar uma retórica reacionária de gênero, que reforça estereótipos da mulher enquanto restrita aos trabalhos de cuidado e do homem como provedor, Marçal atrai para si rejeição feminina semelhante à enfrentada por Jair Bolsonaro (PL), apesar de não ser ele o candidato à prefeitura escolhido pelo ex-presidente. Neste mesmo período da disputa presidencial de 2022, considerando apenas os eleitores da capital paulista, Bolsonaro provocava uma diferença de 9,3 pontos percentuais entre a intenção de voto de homens (31,4%) e mulheres (22,1%), consideravelmente menos do que Marçal hoje. Comparando-se com seu principal oponente, Lula (PT), essa diferença era de apenas 2,5 pontos percentuais. Já o Marçal de 2022, que concorria sem alarde à Presidência pelo PROS, tinha 0,4% das intenções de voto entre os homens e a mesma taxa entre mulheres, antes de ter sua candidatura barrada pelo próprio partido.


Esse pode ser um indicativo de que a aversão feminina a certos candidatos está mais atrelada àqueles que projetam valores da extrema direita, no avesso do que acontece com o eleitorado masculino. Sugere ainda que a repulsa que distingue o voto feminino do masculino não se restringe ao ex-presidente, mas também a quem emula seu perfil. O cenário revelado por esses dados parece ser de que, para ampliar a adesão dos eleitores homens a uma candidatura, a escolha do candidato de extrema direita seja por desdenhar da maioria absoluta da população —ou 54% de quem vota na cidade— uma estratégia com riscos claros e, agora, com o indicativo de que pode haver algum padrão entre o nacional e local no comportamento eleitoral de homens e mulheres.


Assim, a adoção de uma estratégia mais agressiva e de maior aproximação com posições bolsonaristas na tentativa de conquistar eleitores homens parece ser a melhor receita para manter distante o eleitorado feminino. E são elas, até o momento, um dos principais empecilhos para o projeto do candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo.

 

(Crédito da imagem: Divulgação /Grupo Bandeirantes)


* Andressa Zanin Rovani é jornalista, doutoranda em Ciência Política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Este artigo foi publicado originalmente no site Nexo.

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