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Mobiliário eleitoral

João Feres Júnior e Carolina de Paula*



A cadeirada dada por Datena em Pablo Marçal se juntou à série de incidentes esdrúxulos da história eleitoral brasileira: o sequestro de Abílio Diniz, a bolinha de papel na cabeça de Serra, a facada de Bolsonaro são outros elementos desse triste conjunto. A questão que se coloca para os analistas políticos, quando desses acontecimentos, é menos o evento em si e mais as consequências eleitorais que ele traz.


No caso da presente cadeirada, parece que boa parte dos comentaristas foi rapidamente seduzida pelo raciocínio fácil de que seria um facada 2.0, ou seja, de que o evento iria catapultar a candidatura de Marçal ao topo da corrida eleitoral. Contudo, as pesquisas de intenção de voto mais recentes não somente frustraram essa expectativa, como apontam para possível queda de Marçal, ainda que não estrepitosa. Como explicar tal desenrolar dos fatos?


A análise dos grupos focais no WhatsApp, que é conduzida por nós no projeto Monitor do Debate Público, uma iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT), aponta para possíveis respostas.


Na semana de 19 a 25 de agosto, perguntamos aos grupos de bolsonaristas convictos (votaram em Bolsonaro no 2º turno e apoiam o 8 de janeiro), bolsonaristas moderados (votaram em Bolsonaro no 2º turno mas não apoiam o 8 de janeiro), flutuantes (não votaram em Lula ou em Bolsonaro), lulodescontentes (votaram em Lula, mas não aprovam o governo) e lulistas (eleitores de lula que aprovam o governo) qual sua opinião sobre o candidato Pablo Marçal.


Naquele momento, pré-cadeirada, os bolsonaristas convictos se dividiram entre os que achavam o coach muito combativo e aqueles que o rejeitavam por ter se desentendido com Bolsonaro. Já os bolsonaristas moderados manifestaram simpatia pelo candidato, avaliando-o como muito inteligente e comparando sua autenticidade com a de Bolsonaro, no início da carreira. Os outros grupos não nutriam simpatia por Marçal, ainda que alguns participantes manifestassem admiração por sua capacidade de articulação.


A cadeirada alterou esse estado de coisas. Agora, os bolsonaristas convictos emprestam total apoio a Marçal, elogiando-o por sua astúcia e inteligência ao conseguir desestabilizar o adversário. Na visão do grupo, se eleito, ele dominaria o jogo político, sabendo lidar com aliados e oposição. Já os bolsonaristas moderados reprovaram, por unanimidade, o comportamento do candidato, por sua violência verbal. Os três grupos restantes reafirmaram sua forte rejeição ao comportamento de Marçal.


Essa mudança de posicionamento entre os grupos bolsonaristas é um dado que as pesquisas quantitativas, com seus questionários enxutos, não conseguem mostrar. Ademais, ela é ainda mais relevante aqui porque se trata das mesmas pessoas a compor cada grupo, ou seja, nossa pesquisa funciona como um painel no qual podemos observar mudanças de preferências em tempo real.


O resultado é, em tudo, coerente com as pesquisas mais recentes, que mostram queda na intenção de voto no candidato. E isso é má notícia para a campanha de Marçal. Tentemos reconstruir aqui sua estratégia. O sonho de consumo da direita é ter Nunes e Marçal no segundo turno, com o segundo colocado superando a votação da esquerda e centro-esquerda em Boulos. Mas isso é façanha difícil de alcançar e mais difícil ainda de administrar. Isto é, era inevitável que as campanhas de Nunes e Marçal se envolvessem em atritos, particularmente na disputa pela bênção eleitoral de Bolsonaro.


Marçal estava indo muito bem em seu plano de chegar ao segundo turno, até o começo do Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral, quando a falta de orçamento e de estrutura de seu partido para campanha começou a pesar na competição com a “todo poderosa” candidatura de Nunes. Resta a Marçal insistir na tecla da comunicação com o eleitorado via redes sociais, ainda que também passou a sofrer baixas nessa seara, com o cancelamento de vários de seus perfis.


Nesse contexto de carestia comunicativa, Marçal optou por usar os debates como canal de comunicação direta com o eleitorado. Na disputa por visibilidade, a estratégia foi exitosa: Marçal era o candidato mais desconhecido do pelotão mais competitivo. Seus vídeos viralizaram no país todo. Porém, passado esse momento, o jogo precisava mudar. Ou seja, para ganhar uma eleição não basta ser conhecido, tem que conquistar os votos. E aí entra uma característica que lhe é indelével: o imperativo do carisma sobre a política institucional. 


É claro que o coach não iria se apresentar nos debates como um candidato comum, desses dispostos a discutir os principais problemas de São Paulo com seus contendores. Pelo contrário, Marçal adotou a postura mais disruptiva possível, enxovalhando os outros candidatos com impropérios, calúnias e ofensas de toda a ordem.


O fato de ter focado em Datena não é fortuito, pois tal candidato mostrava claros sinais de esmorecimento e desmotivação na campanha, enquanto ainda controlava uma parcela das intenções de votos nada desprezível, formada por eleitores conservadores, potencialmente cooptáveis.


A cadeirada mudou tudo. Datena parece ter ganhado motivação pessoal, e suas intenções de voto reagiram na última pesquisa. Marçal, antes, poderia contar com uma transferência de votos vindos de Datena na boca da urna, resultado da sangria que sempre ocorre no primeiro turno com os candidatos que ficam na retaguarda das pesquisas, mas agora tal migração vai desproporcionalmente beneficiar Nunes.


Em suma, provavelmente teremos um segundo turno entre Nunes e Boulos, o que é uma boa notícia para a cidade de São Paulo, que se livra do risco de ter Marçal como prefeito, mas uma notícia ruim para Boulos, que terá imensa dificuldade de derrotar a coalizão de direita que se formará em torno do atual prefeito.


(Crédito de imagem: PCH.Vector Free Photo)


*João Feres Júnior e Carolina de Paula são cientistas políticos do Iesp/Uerj e pesquisadores do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP).

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