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Eleições para as Câmaras Municipais: quem se sente representado?



Carlos Ranulfo Melo*


A menos que o eleitor já tenha vínculo com algum candidato, escolher um nome para vereador não é tarefa das mais fáceis. Em especial nas maiores cidades. São muitos partidos, cada um com sua lista, e a propaganda gratuita no rádio e na TV pouco, ou nada, adianta. Ademais, a escolha do prefeito é a que mobiliza as atenções. Não por acaso, a grande maioria do eleitorado chega à véspera da eleição sem definir em quem vai votar para as Câmaras Municipais.


Mas o problema não é apenas esse. Uma das características do sistema eleitoral utilizado nas eleições legislativas brasileiras é que a compreensão de seu funcionamento não é imediata, exigindo do eleitor um pouco mais de informação. Na eleição para as Câmaras, pode-se escolher um candidato ou marcar a legenda de um partido. A imensa maioria do eleitorado prefere a primeira opção e imagina que serão eleitos os mais votados.


Mas a coisa não funciona assim. O sistema eleitoral brasileiro é de representação proporcional e busca, como a própria designação já indica, garantir que os partidos conquistem um número de mandatos legislativos proporcional a quantidade de votos recebida. Dessa forma, a primeira operação a ser feita, após os votos serem colocados nas urnas, é a totalização dos votos obtidos por cada partido no município, no caso da eleição de vereadores. A votação total do partido será o resultado da soma dos votos dados a todos os seus candidatos, mais os votos dados na legenda.


Somente após ser definido quantos candidatos cada partido elege é que se chega aos eleitos, que serão os mais votados em cada sigla. Por isso sempre acontece que um candidato X, não eleito, tenha menos votos que um Y, eleito. A diferença está na quantidade de votos recebidos pelos partidos de X e de Y. Em Belo Horizonte, na eleição de 2020, o suplente mais bem votado obteve 8.103 votos – votação superior a 34 dos 41 eleitos – enquanto o último candidato a conseguir uma vaga na Câmara Municipal foi apoiado por apenas 2.670 eleitores.


Pode soar estranho, em um país onde cerca de 80% do eleitorado não revela qualquer simpatia partidária, que na contagem dos votos os partidos tenham prioridade. Mas não há nada de errado nisso; sequer os dados mostrados no parágrafo anterior devem ser vistos com estranheza. Trata-se apenas da regra eleitoral em funcionamento.


Onde está, então, o problema? Em primeiro lugar, por não compreender o processo, o eleitor não se dá conta de que há uma transferência de votos no interior da lista apresentada pelos partidos. É o voto dos menos votados, em cada legenda, que vai possibilitar aos mais votados a conquista de um mandato legislativo – e isso porque são raríssimos os que se elegem com base apenas em seu desempenho, algo que só é possível quando sua votação ultrapassa o quociente eleitoral. Em segundo lugar, e aí a coisa fica mais complicada, não há nada que permita dizer que um eleitor que escolheu Maria, que no entanto teve menos votos, se sentirá representado por André, apenas porque este teve mais votos. Os dois gráficos a seguir ajudam a entender a dimensão do problema.


O primeiro gráfico toma Belo Horizonte como exemplo e mostra a distribuição dos votos válidos na eleição de 2020 para a Câmara Municipal conforme tenham sido dados às legendas partidárias, aos candidatos eleitos ou aos não eleitos. A votação na legenda, como seria de se esperar, foi amplamente minoritária e correspondeu a apenas 6,9% dos votos válidos. O que de certa forma surpreende é a diferença entre a votação dos eleitos e daqueles que não tiveram sucesso – 29,6% para os primeiros e 68,5% para os segundos.


Fonte: TRE-MG


Uma das razões para a diferença está na baixa votação nominal dos eleitos. Dos 41 vereadores vitoriosos naquela eleição, 40 ficaram muito abaixo do quociente eleitoral – 28.296 votos – definido para o município em 2020. O gráfico a seguir mostra a distribuição do único candidato eleito, pelo Podemos. O vereador em questão obteve 6.788 votos, votação que corresponde à média obtida pelos 41 eleitos. O seu partido obteve 31.957 votos, dos quais 77,1% foram conseguidos pelos demais 54 candidatos que compunham a lista partidárias e que foram derrotados nas urnas. Sem o voto desse batalhão de perdedores, por óbvio, não haveria vereador eleito.

Fonte: TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais).


Resta perguntar se os eleitores destes 54 candidatos não eleitos teriam algum motivo para se sentir representados pelo vereador eleito pelo Podemos. Ou se os eleitores que votaram nas centenas de candidatos não eleitos – foram 1.519 ao todo – estariam representados pelos 41 vereadores empossados na Câmara Municipal. Afinal, como é dito e repetido, o eleitor deve se informar antes de escolher o seu candidato. Mas o que os números mostram é que, por mais que a pessoas procurem fazer isso, o seu voto tem grande chance de fazer chegar à Câmara alguém que ele simplesmente não conhece, não sabe nada sobre seu passado, seus vínculos e suas propostas. Alguém que simplesmente teve mais voto na lista partidária.


Resta uma saída: os partidos. Afinal, é possível argumentar que, se meu candidato foi derrotado, pelo menos ele ajudou a eleger alguém do partido. Mas quantos, entre os 31.957 eleitores que votaram nos candidatos do Podemos em Belo Horizonte sabiam que aquele “20” que aparecia na frente do número que identificava os candidatos remetia ao partido? Quantos se identificavam ou mesmo conheciam o partido? Certamente pouquíssimos. A pergunta vale para o eleitorado de BH naquela eleição, bem como para qualquer município nesse Brasil a fora em 2024. Quantos sabem que votando no 44, no 30, no 10 ou no 55, contribuirão para que o União, o Novo, o Republicanos ou o PSD, respectivamente, elejam os mais votados de suas listas? Se os partidos pouco valem para o eleitorado – existem exceções, mas são muito minoritárias – como podem ser o vínculo que liga o eleitor que escolheu um candidato derrotado a um vereador eleito, mas que, no entanto, ele não escolheu e provavelmente sequer conhece?


O sistema eleitoral adotado no Brasil busca, como se afirmou, garantir que o número de mandatos legislativos conquistado por cada partido seja proporcional à sua votação. Garante ainda que todos os votos válidos sejam aproveitados – o que acontece quando a votação dos candidatos derrotados, em cada lista, conta para o partido e contribui para a eleição de seus legisladores. O que ele não consegue garantir, pelo menos no caso das eleições municipais, é que sejam criados vínculos entre representados e representantes.


Na eleição de 2020 em Belo Horizonte, 1.160.145 eleitores validaram o seu voto. Como mostrou o primeiro gráfico, 36,5% desse total – os que votaram nos candidatos eleitos ou na legenda – de fato constituíram representação. Quanto aos demais – 68,5% – não é possível ter certeza. Provavelmente uma esmagadora maioria destes não tinha razão de se sentir representado na Câmara Municipal. Seu candidato foi derrotado e o partido pelo qual ele preiteava uma vaga nada significava.


O caso de Belo Horizonte certamente pode ser aplicado a todos os grandes municípios brasileiros. Exercício semelhante a este foi feito para a eleição de 1996 no Rio de Janeiro por Renato Lessa, com resultados muito semelhantes aos aqui apresentados. A situação irá se repetir na eleição deste ano. O déficit de representação nas Câmaras Municipais é evidente e decorre da combinação entre a regra eleitoral que transforma votos em mandatos e partidos que, em sua grande maioria, nada representam para o eleitorado.


(Crédito de imagem: Matheus Piccini - 2016/CMPA)


* Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política e professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG. É pesquisador do Centro de Estudos Legislativos e da equipe do Observatório das Eleições 2024.

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