Carlos Ranulfo Melo*
Durante muitos anos, da redemocratização até 2012, as eleições para a prefeitura de Belo Horizonte tiveram como principais protagonistas PT, PSB e PSDB. Em 2016, pela primeira vez, a eleição na cidade foi vencida por alguém de “fora da política” – Alexandre Kalil – a bordo do inexpressivo Partido Humanista da Solidariedade (PHS). Em 2020, os dois primeiros colocados na eleição estavam filiados ao PSD e ao PRTB enquanto petistas, socialistas e tucanos apresentavam desempenhos medíocres. Se por 27 anos a disputa pela PBH se deu entre partidos de centro e esquerda, desde 2016 a competição vem sendo conduzida por partidos situados à direita do espectro partidário. E, de acordo com as pesquisas, são boas as chances de que 2024 confirme essa mudança de cenário.
O gráfico abaixo permite acompanhar a série histórica. Ele mostra o percentual de votos dos dois primeiros colocados entre as eleições de 1985 e 2020. Nos dois primeiros pleitos, a regra não previa a realização de um segundo turno. Em 2004, 2012 e 2020 o segundo turno não foi necessário.
Gráfico 1
Fonte: TSE.
As duas primeiras eleições foram vencidas por partidos situados ao centro. O MDB, no entanto, perdeu espaço depois de 1985 e só reapareceu em 2008, quando disputou o 20 turno. Além da vitória em 1988, o PSDB chegou em segundo lugar em 1996 e 2000 – desempenho que repetiu apenas 16 anos depois, quando foi derrotado pelo já mencionado PHS. Entre 1992 e 2012, a esquerda venceu as eleições com PSB ou PT – de forma coligada (1992, 1996, 2000, 2008) ou não (2004 e 2012). Em 2008, cabe mencionar, PT e PSDB estiveram coligados no apoio a Márcio Lacerda (PSB). Ademais, como se pode observar, nas primeiras oito eleições após a redemocratização, apenas por duas vezes (1985 e 1992) um partido de direita, o PL, teve alguma expressão eleitoral na cidade.
Na eleição de 2016, o quadro começou a ser alterado. Enquanto o PT obtinha apenas 7,27% dos votos, amargando um quarto lugar na disputa, o PSB, depois de administrar a cidade por oito anos, limitou-se a ocupar a vice em uma chapa do PSD que obteve 5,5% dos votos. Dos partidos que haviam protagonizado as disputas anteriores, apenas o PSDB, como mencionado, se manteve competitivo.
Aqui cabe um parênteses. Em 2018, a eleição para a Presidência da República forneceria outro indício do crescimento da direita na cidade; os belo horizontinos fizeram clara opção por Bolsonaro ao conceder-lhe 65,6% dos votos no segundo turno. Já para o governo estadual, também em BH, Romeu Zema (NOVO) derrotou Antônio Anastasia (PSDB) com 58,9% dos votos no segundo turno.
Em 2020, voltando à disputa municipal, PT e PSDB chegaram ao fundo do poço. O candidato petista conseguiu minguados 1,88% dos votos, enquanto a postulante pelos tucanos se saiu ainda pior, ficando com apenas 1,39% das preferências dos eleitores. O PSB não lançou candidato. E o MDB se incorporou à coligação vitoriosa encabeçada por Alexandre Kalil, então no PSD. Kalil venceu no primeiro turno impondo uma diferença de 53,4% relativamente ao segundo colocado – o bolsonarista Bruno Engler (PRTB).
Novamente cabe recorrer aos quadros estadual e nacional, agora de 2022. Embora tenha sido derrotado por Lula em Minas Gerais, Bolsonaro venceu em Belo Horizonte com 54,25% dos votos válidos no segundo turno. E Zema foi reeleito governador no primeiro turno, com uma diferença sobre Kalil de 56.562 votos válidos na cidade.
Resta saber se na eleição deste ano Belo Horizonte vai confirmar que “virou à direita”. Uma primeira vista nos dados disponibilizados pelos institutos Quaest e Datafolha sugere que as chances disso acontecer são boas. Dos seis candidatos mais bem posicionados nas pesquisas realizadas no final de agosto, quatro concorrem por partidos situados a direita do espectro partidário (Republicanos, PSD, PL e Podemos) e dois pela esquerda (PT e PDT). O gráfico a seguir mostra os resultados.
Gráfico 2
O deputado estadual Mauro Tramonte (Republicanos) aparece em primeiro lugar nas duas pesquisas. Segundo a Quaest é conhecido por 84% dos eleitores e a maioria desses (52%) admitem votar no candidato. A alta visibilidade e o bom desempenho nas pesquisas são o fruto direto de 16 anos à frente de um programa na TV Record Minas. Embora concorra por um partido situado a direita, Tramonte apresenta-se como candidato de centro e se diz avesso a qualquer tipo de polarização. Segundo o DataFolha, 34% de seus eleitores se consideram petistas e a mesma proporção se diz bolsonarista.
Outros cinco candidatos compõem um “segundo pelotão”, com intenção de voto variando entre 6% e 12% nas pesquisas. O senador Carlos Viana (Podemos) e o deputado estadual Bruno Engler (PL) ocupam as posições mais à direita do pelotão. Viana é conhecido por 74% dos entrevistados pela Quaest, mas entre os que o conhecem 39% lhe negariam o voto. Foi eleito senador em 2018, com respaldo em longa trajetória no rádio e na TV. Incialmente próximo, afirma que se afastou de Bolsonaro. De todo modo, 42% de seus eleitores se declaram bolsonaristas, segundo o Datafolha.
Bruno Engler foi candidato a prefeito de BH em 2020, e em 2022 obteve a maior votação para a assembleia legislativa na história do estado. Não obstante, é conhecido por apenas 46% dos eleitores segundo a Quaest, metade dos quais não lhe dariam o seu voto. É o candidato de Bolsonaro na cidade – 74% de seu eleitores se declaram bolsonaristas.
Fuad Noman (PSD) assumiu a prefeitura de BH após a renúncia de Kalil, em 2022. De perfil discreto, dois anos como prefeito o tornaram conhecido por 58% dos eleitores, 32% dos quais não o têm como alternativa. Moderado, apoiou Lula em 2022, o que fez com fosse cogitado o apoio do PT à sua candidatura. 52% de seus eleitores se dizem petistas.
Pela esquerda concorrem a deputada federal Duda Salabert (PDT) e o deputado federal Rogério Correia (PT). Seu grau de conhecimento entre o eleitorado é semelhante (54% e 51%, respectivamente), mas Correia tem problemas com o antipetismo: entre os que o conhecem, apenas 19% admitem lhe conceder o voto, segundo a Quaest. No caso de Salabert, o percentual dos que votariam é de 26%. Entre os eleitores de Rogério Correia,69% se declararam petistas, segundo o Datafolha. Percentual semelhante foi constatado entre os eleitores de Salabert (66%).
À luz dos dados disponíveis, é muito pouco provável que Tramonte vença a eleição no primeiro turno, mas as chances de que esteja no segundo são grandes. Ademais, é de se esperar que o horário eleitoral gratuito cumpra papel decisivo no desempate da corrida pelo segundo lugar. Nesse aspecto, Engler, Noman e Correia sairão em vantagem. O primeiro terá um programa de 2 minutos e 43 segundos, além de 800 inserções. O segundo irá dispor de 2 minutos e 34 segundos, além de 757 inserções. E o petista contará com 1 minuto e 49 segundos, além de 535 inserções.
Engler e Correia têm a alternativa de colar em seus “padrinhos”, ainda que, segundo o Datafolha, nos dois casos a rejeição seja alta – 55% se recusam a votar em candidato apoiado por Bolsonaro e 53% fazem o mesmo no caso de Lula. Mas, no limite, e mantido o quadro de dispersão, o percentual dos que dizem “votar com certeza” nos candidatos apadrinhados (23% nos dois casos) pode definir a passagem para o segundo turno.
Fuad Noman, por sua vez, deverá usar o tempo na tentativa de melhorar a avaliação de seu governo e, em decorrência, o seu desempenho como candidato. A tarefa não é impossível: segundo a Quaest, 27% dos entrevistados avaliam como ótima ou boa a atual administração, 37% a consideram regular e 20% ruim ou péssima.
Fechando o pelotão, no que se refere a propaganda eleitoral gratuita, Tramonte terá 50 segundos e 249 inserções; Viana, 27 segundos e136 inserções, ao passo que Salabert ficará com 26 segundos e 131 inserções. Para o primeiro, o problema será menor; para o senador e a deputada, o tempo será curto.
A disputa pela prefeitura pode afunilar para um embate entre forças de direita moderadas ou extremas? Para além do que dizem as pesquisas, é certo que o eleitorado da cidade, em sua maioria, tem feito opções conservadoras nos últimos anos. Pode-se dizer também que na atual eleição o grau de dificuldades da esquerda é maior – uma coligação PT e PDT estaria em melhores condições. De todo modo, ainda é cedo para se fazer afirmações taxativas. A eleição ainda não faz parte da preocupação da maioria do eleitorado. Segundo a Quaest, na pesquisa espontânea 73% do eleitorado não sabe em quem votar. No Datafolha, o percentual cai para 64%. O jogo está começando.
* Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política e professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG. Este conteúdo foi originalmente publicado no site Nexo.
コメント